2 de outubro de 2020

A tua casa é exatamente como eu imaginava.

Achava que o tempo se podia encarregar de nos levar por caminhos que não se cruzam e que, no limite, estarias em certas alturas da minha vida só de passagem.

Não é só a tua casa que é exatamente como eu imaginava. Quando estás perto, eu também sou exatamente como imaginava. De todas as vezes que te lembrei, as saudades também foram do tamanho que eu as imaginava. O amor que te guardei também foi exatamente como eu imaginava.

Estava tudo certo, menos o tempo. O tempo que quis que esta passagem fosse tão curta, que deixou tanta coisa por contar e por perguntar. Estava tudo certo até ter de trazer as saudades de tua casa. As saudades são mais apertadas, ocupam mais espaço do que eu imaginava. 

Afinal, a nossa realidade é exatamente como a continuo a imaginar.

5 de janeiro de 2018

Para mim, 2018

“naquele tempo toda a cidade ardia e nós
ardíamos com ela mas sabíamos
que havia de chegar uma noite
em que as amarras (ou a pátria, tanto faz)
seriam mais fortes e entraríamos
em silêncio no quarto
inventando palavras tão transparentes para a nossa vida
que hoje tenho dificuldade em encontrá-las
para as colocar em seus devidos lugares

tínhamos então a idade
de tudo o que nos acontecia pela primeira vez
protegidos pela sombra dos castanheiros de maio
e ainda que por breve tempo, chegámos a acreditar
que um dia nos iríamos de novo amar ali
exactamente ali
entre o rio, as pontes, as estátuas
a praia que roubávamos ao asfalto
onde os dias pareciam sem desvio


e a dona do hotel a prometer-nos

domingos de sol”

Alice Vieira, 2007

(e eu a prometer voltar)

23 de maio de 2016

Cancelem o apocalipse

E se te cortassem o pensamento? Se, de repente, caísses inconscientemente num sono profundo, num coma vegetativo, te esquecesses do que viveste? Se pudesses apagar todo o medo com que tens vivido? O medo que volta a toda a hora por não ser capaz de te resolver e arrumar no mesmo hemisfério onde guardei a minha primeira palavra e os meus primeiros passos. É aí que guardamos os nossos primeiros erros, também?
Gostava que me garantissem que me vou esquecer de ti. Que me dessem uma garantia, assim como sabemos que o sol nasce sempre no dia seguinte, de que te vou arrumar no hemisfério direito do cérebro. Aquele que controla a intuição e a imaginação.
Às vezes era tudo o que gostava que fosses. Uma história que imaginei, só para mim. A história com o final mais triste de todos. Não por teres morrido, por teres sido forçado a abandonar-me ou por contar a maior tragédia desta vida e da outra. O nosso final foi triste porque deu razão a um corpo tão grande que é este sistema do qual fazemos parte. Fomos tristes porque não foi de verdade. Porque, escolheste a única opção que nunca te dei. Porque conseguiste fazer aquilo que eu nunca vi em ti.
Afinal é possível seres parte de um mundo que eu (ainda) não conheço. Um mundo ao qual eu sempre fechei a porta. Porque não o queria. Porque te queria.
Se calhar é só isso. És mesmo parte da minha imaginação e estás, ou sempre estiveste, do meu lado (direito). Nunca exististe e fui eu que te imaginei. Se assim for, vou imaginar-te do outro lado do mundo. À distância. Para não achar que estás aqui, na minha cidade e (ainda) na minha casa. Vou fechar os olhos e cortar-te do meu pensamento. E se te imaginar, imagino-te sem cores, a preto e branco. Para fazeres parte do passado, de um tempo mais antigo e mais distante. Para não seres a sério. Para não me tirares mais do sério.

6 de abril de 2016

Estamos à distância. Não somos feitos da mesma fibra e muito menos cruzamos os horários. Tu estás na ponta da cidade mais bonita, com a melhor vista do país. Eu estou no centro dessa cidade, bem dentro da confusão mais sorridente que conheço. Não vimos os mesmos filmes. Não ouvimos a mesma música. Não sentimos os puxões que a vida nos dá no mesmo ritmo.
Só nos sintonizamos quando mentimos. Quando nos afastamos da vida que insiste em voltar-nos as costas a um passo ritmado. Quando partes para longe de mim. Quando me deixas ir uma e outras tantas vezes. Aí somos tão bons. A destruir-nos. A sofrer por um amor que morreu há bem mais tempo do que nasceu.